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Sobre o Novo Ensino Médio e muito mais

Maria Regina Martins Cabral

Eu sempre estive na luta por uma educação pública de qualidade para todos. Todos implica dizer de todas as situações financeiras, de todos os lugares do país, de todas as etnias, de todos os gêneros e de todas as particularidades. Não importa onde a pessoa nasça e em que condição particular ela viva, se ela é cuidada pelas políticas públicas e tem oportunidades, ela se desenvolve. É nisso que acredito. Ao mesmo tempo, eu me dedico ao estudo da história, eu olho para nossa estrutura econômica, para nossas conjunturas, para o atual momento em que vivemos, pós-pandemia e no contexto de uma nova revolução industrial.

Por isso estou entre aqueles que não vê o Novo Ensino Médio como a melhor solução. Defendê-lo como uma boa saída é simplificar a realidade, que é bem mais complexa.

Precisamos olhar com mais atenção a história de nossa educação e compreender o que acontece, porque temos um cenário de aprendizagens, desvelado pelas pesquisas, que não é dos melhores.

Vamos rapidamente a três fatos:

  1. Há apenas 27 anos universalizamos o Ensino Fundamental no país. Isso ocorreu a partir da atual Constituição Federal e da LDB em vigor, com a implementação de um mecanismo indutor, o FUNDEF (Lei 9424, de 24 de dezembro de1996). Por esse mecanismo, cada aluno tem um valor. Quanto mais matrículas, mas recursos ingressam no município, no estado ou na união, dependendo a qual ente essas matrículas pertençam.
  2. Somente há 16 anos universalizamos o Ensino Médio, com a Lei do FUNDEB (Lei 11494, de 20 de junho de 2007), que tem sofrido ajustes ao longo dos anos. No Maranhão, por exemplo, em 2003 tínhamos menos de 100 municípios com escolas de ensino médio.
  3. Até 2023, ainda não universalizamos a Educação Infantil, única etapa que não recuperamos em outras idades e período em que nos constituímos para a continuidade das aprendizagens.

Essas ofertas tardias, ou não ofertas, que quando realizadas ainda são feitas com condições questionáveis, somadas às realidades em que vive a grande parte da população do país que não dispõe de outras oportunidades de aprendizagem do conhecimento sistematizado, de acesso a diversificados formatos de cultura e de oportunidades de construção de saberes produzem o quadro que temos, dificultam a construção de uma argamassa de conhecimento qualitativo espraiada pela população em nosso país.

É importante buscar as razões da evasão dentro, mas também fora da escola. As escolas sucateadas, sem laboratórios, sem livros, sem internet, sem computadores que possam ser usados pelos alunos é um problema a ser visto. Mas as razões para esse problema precisam ser procuradas também fora da escola, na vida vivida pelos jovens em suas comunidades, junto às suas famílias, muitas vezes eles têm que trabalhar para ajudar na renda familiar. De fato, o problema não é só de currículo e grade curricular. É de políticas públicas integradas, é de garantia de uma educação estruturante, do bem viver.
As polêmicas existentes para revogação ou permanência da reforma são essas e muitas outras.

A FGV lançou uma pesquisa que aponta como 40% da causa principal da evasão escolar no Brasil a falta de interesse de alunos pela escola e 27% por problemas financeiros e aumento da taxa de desemprego.

Para parte da sociedade brasileira, o desinteresse do jovem pelo conteúdo ensinado está na baixa qualidade do ensino, na falta de infraestrutura nas escolas e na falta de professores. De fato, isso também ocorre. Mas, partindo dessa análise, sem a meu ver, considerar a qualidade que deve ser garantida aos alunos das redes públicas, aprova-se precipitadamente a reforma na grade curricular nessa etapa final da Educação Básica.

Essa reforma foi aprovada durante o governo do ex-presidente Michel Temer pela lei nº 13.415/2017. Essa lei alterou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu mudanças na estrutura do ensino.

Essa nova grade estabelece um aumento gradual no número de horas cursadas no ensino médio, a reorganização do currículo, a escolha de um itinerário formativo. Assim, os estudantes mantêm uma formação básica geral e, na sequência, escolhem um itinerário formativo, que verticalize conteúdos escolhidos.

Os que argumentam a favor do novo Ensino Médio dizem que com ele os alunos terão mais liberdade para construir o seu itinerário formativo, sendo orientados a fazer escolhas de forma responsável e consciente. Mas quem consegue escolher sobre o desconhecido? Quem vive a dureza das necessidades emergentes escolherá o que?

Jovens que não acessam e frequentam espaços culturais como teatro, dança, cinema, artes plásticas vão ter dificuldades em escolher esses itinerários. Não será pelo desinteresse, que não escolherão, mas pela não vivência deles, por desconhecê-los, por não terem tido acesso a eles em sua zona de desenvolvimento proximal. Da mesma forma, o empreendedorismo poderá ser um dos itinerários facilmente escolhido, por conta da necessidade premente dos jovens e de suas famílias. Isso não é garantir equidade, mas aumentar o fosso da desigualdade de saberes, fratura na argamassa nacional de conhecimentos. Enquanto isso, jovens das escolas privadas continuarão definindo seus itinerários profissionais na graduação e construindo bases para conviver mais facilmente de acordo com as atuais regras do capitalismo, tornando-se os principais produtores de conhecimento e desenvolvedores de produtos na indústria 4.0.

Para se ter uma ideia sobre essa questão, além do já exposto aqui, é só buscar quais são os conteúdos mais relevantes da Educação Básica, para um bom posicionamento profissional no contexto da atual revolução industrial.

  1. Gostar de ler. A leitura sempre nos possibilita ir além do horizonte. Para isso, é importante aprender a ler a palavra e os sentidos, como diz Paulo Freire.
  2. Gostar de lógica. Algoritmos são a base da IA, quanto mais desenvolvido for o raciocínio lógico do jovem, melhor. Imaginem para as meninas que são desestimuladas a gostarem da matemática. Isso é terrível. Elas precisam também ter a oportunidade de se aprofundarem nesse conhecimento.
  3. Gostar de filosofia, neurociência, física, psicologia. Nenhum desses conhecimentos pode ser descartável.
  4. Conhecer a linguagem de programação.

De fato, assim como garantir igualdade a todos não é tão simples, por isso a necessidade de ela vir junto com a equidade, organizar a educação a partir de interesses de jovens que vivem em situações difíceis em variados territórios brasileiros, não é tão simples, porque, da mesma forma, há a necessidade da equidade de saberes. E isso é a escola quem deve garantir, fazendo a sua parte, contribuindo para a construção da argamassa de saberes sistematizados no país. Essa é uma das razões da escola ter esse papel. Ofertar antes, depois se escolhe. E não o contrário. Evidentemente, é importante ouvir, trabalhar autonomias, incentivar participação.

Em relação ao fato de as escolas públicas e privadas estarem preparadas para se adaptarem às novas regras do novo ensino médio, eu diria que depende do que seja entendido como estar preparada. Dependendo dos itinerários, as escolas precisam organizar os conteúdos com professores que dominam aqueles conteúdos. Um generalista, que não verticaliza o conhecimento, como ocorre nas licenciaturas com os especialistas das áreas, conhecedores do que ensinam, pode ofertar um ensino mais superficial, podendo igualmente não atender às novas expectativas dos alunos. As aulas serão ministradas, mas não necessariamente garantirão aquilo que a reforma propõe. Ou sim, se o objetivo for apenas ofertar de qualquer forma o ensino, mesmo com a argumentação de que precisa haver uma reforma para melhorar o que não está bom.

Em relação às escolas particulares, os seus alunos têm outros itinerários fora da escola: um segundo idioma, uma aula de música, uma oficina de luta, academia, aulas de programação, mergulho no universo do mundo digital. Dentro da escola, eles estudam para passar nos principais exames. Isso é a chancela que os donos dessas instituições buscam. Não tem moleza.

Ou seja, podemos sair desse quadro com um cenário ainda pior para alunos de escolas públicas. Nem educação geral, propedêutica e nem formação técnica. Em muitos casos, uma formação profissional básica, nível de ensino fundamental. Sempre haverá exceções!

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