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Preconização em torno dos conceitos Administração, Gestão Educacional e Democrática

O uso do conceito administração escolar é mais antigo, mas o de gestão educacional vem no bojo dos processos de democratização do final dos anos 1980. Souza (2006) defendeu na PUC – SP uma tese de doutorado intitulada “Perfil da Gestão Escolar no Brasil” em que faz uma ampla busca dos trabalhos nessa temática, através de uso de ferramentas e acesso a acervos disponíveis identificando um conjunto bem relevante de dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas em várias universidades públicas e privadas de todo o Brasil. Nesse trabalho, ele cita autores e ideários dos mesmos, a partir de suas referências teóricas e metodológicas.

A partir dos estudos que realizei estruturei os conceitos administração e gestão educacional / escolar em quatro blocos referenciais, dentro de um determinado tempo histórico da educação nacional, sem, contudo retomar minuciosamente o que já fora defendido por vários pesquisadores.

No primeiro bloco referencial eu situo o conceito da administração escolar no contexto em que era compreendida e exercida a partir da aplicação do pensamento clássico da administração empresarial, nos quais estão inseridos Leão (1953); Ribeiro (1952); Filho (1976); Alonso (1976); Benno (1980).

Anísio Teixeira (1935; 1936; 1961) transitava por esse mesmo período histórico, tentando construir um pensamento que se contrapusesse às orientações gerenciais, mas não claramente elaborou um pensamento na contramão do ideário empresarial.

Na transição do primeiro para o segundo bloco referencial, inspirando este, dois pensadores Arroyo (1979) e Gonçalves (1980) começaram a esboçar ideias para uma nova proposta de administração escolar para o país.

Mauricio Tragtenberg (1980) em sua obra “Burocracia e Ideologia” analisou a origem, o desenvolvimento e a transformação da burocracia no âmbito da hegemonia no país, suas técnicas e eficácia administrativa desvelando teorias que fundamentavam a área da administração. Esse autor vai inspirar uma obra importante na área da educação por desenvolver uma argumentação que desconstrói o pensamento vigente, a partir de uma análise materialista histórica, mostrando outras possibilidades para esse campo. Esse trabalho foi a dissertação de mestrado defendida na Unicamp por Felix (1984), cujo título já explicitava um questionamento de fundo “Administração Escolar: um problema educativo ou empresarial?” A autora fez uma análise da proposta do estado capitalista brasileiro para a burocratização aplicada no sistema escolar.

Na sequência desse texto foi lançado outro importante trabalho resultado de uma tese de doutorado defendida na USP, por Paro (1988), que ganhou grande repercussão nacional pelas diversas edições de sua publicação e pelo envolvimento do seu autor em debates sobre administração escolar em todo país. Foi a obra intitulada “Administração Escolar: introdução crítica”. As obras de Felix e Paro alimentaram o debate na segunda metade dos anos 1980 e início dos anos 1990 e ainda são clássicos importantes nas reflexões atuais.

O terceiro bloco referencial que situo para organização do pensamento sobre gestão educacional tem como marco a Constituição de 1988, que define preceitos constitucionais de práticas democráticas inspirando leis e projetos desde então. Nesse período, o conceito gestão começa a ser amplamente adotado. Muitos autores passaram a investigar e elaborar orientações de práticas de gestão democrática. Alguns desses autores são: Paro (1995; 2003), Camargo (1997), Freitas (1998), Rosar (1999), Arantes (1999). No bojo desse debate encontravam-se dois grupos de pensamento: o advindo das lutas empreendidas por educadores no interior da sociedade civil e o grupo que se constitui como arauto das políticas do Banco Mundial, que permaneciam fortemente atuantes. Nesse contexto de reflexões a administração escolar não tinha mais como contraponto apenas o modelo empresarial, mas os formatos adotados por políticas como as definidas para toda a América Latina, pelo Banco Mundial.

Na segunda metade dos anos 1990 passa a ser adotado mais sistematicamente o conceito de gestão em diversos setores da administração pública e em debates e reflexões que são realizados quer na academia ou em outros espaços do governo e da sociedade civil. Por isso, antes de passar para o quarto bloco farei uma breve imersão nesse conceito, precedida pela pergunta: por que houve a mudança do conceito administração escolar para o de gestão escolar?

A palavra administração estava muito vinculada ao modelo empresarial. A palavra gestão tem origem latina gestio que quer dizer ato de administrar, de executar, chamar a si, exercer, gerar, realizar. Para Cury (1998)

Trata-se de gestação, isto é, o ato pelo qual se traz em si e dentro de si algo novo, diferente: um novo ente. (…) O termo gestão tem sua raiz etimológica em ger que significa fazer brotar, germinar, fazer nascer. Da mesma raiz provêm os termos genitora, genitor, gérmen.

Para que se gere é necessário o outro, a fim de que a relação seja estabelecida. Dentro da perspectiva de sua raiz etimológica e origem latina, gestão pode ser considerada como uma nova forma de administrar diferente da forma gerencial, que é centralizadora e definidora de regras verticais com todas as suas variantes oriundas do bojo de uma prática autoritária. Por isso, a existência de uma relação muito próxima entre os conceitos gestão e democracia, apesar de nem toda prática de gestão ser verdadeiramente democrática, bem como nem todo administrador ser autoritário.

Fica claro, contudo que parte dos estudiosos que se detiveram a desenhar esse novo conceito para a área da educação compreendia a importância desse novo formato ao se migrar de um modelo centralizador típico de uma administração empresarial para um modelo mais voltado para a coparticipação na gestão educacional.

Nessa inspiração, o pensamento era que esse novo desenho poderia levar a uma gestão educativa e mais apropriada com o espaço da escola, quiçá com uma educação contextualizada que pudesse impulsionar os sujeitos da história, possibilitando aos cidadãos construírem possibilidades de desenvolvimento, a partir de unidades educacionais situadas em suas diferentes regiões, que não fosse uma gestão corporativa e burocrática com roupagem de inovadora, mas um modelo que pudesse provocar mudanças a partir das dimensões administrativas, pedagógicas e financeiras com práticas democráticas. Em muitos momentos, essa forma democrática priorizou durante a gestão apenas processos de escolha de dirigentes ou gestores e não a ação em si.

Comumente, o princípio da gestão democrática tem sido mais referido à eleição de diretores ou diretoras em escolas públicas. Tal dinâmica, inclusive, faz parte de várias Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais. Entretanto, sem negar esta possibilidade, desde logo inscrita neste princípio maior para uma função ou mesmo um cargo na estrutura do magistério e, sem se desviar do princípio federativo, cumpre refletir sobre as exigências e desafios trazidos por esta inserção constitucional inédita. (Cury, 1998, p.6)

Sem dúvida foi uma conquista dos cidadãos brasileiros a garantia da participação na prática de gestão, com significado expressivo por ser defendida, conquistada e implantada após um período de Ditadura Militar e na sequencia da promulgação de uma nova Carta Magna denominada de Constituição Cidadã. A concretização da lei, contudo, requer permanente cuidado, por conta da contradição existente entre a sociedade capitalista e as tendências recorrentes de práticas verticais de comando.

A Constituição faz uma escolha por um regime normativo e político plural e descentralizado, no qual se cruzam novos mecanismos de participação social com um modelo institucional cooperativo, que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisões. (Cury, 1998)

Consta nos artigos da lei 9.394/96:

Art.3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: VIII – Gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino.

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação do projeto pedagógico da escola;

II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Art. 15 – Os sistemas de ensino assegurarão às unidades públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.

Art. 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao principio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.

Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes.

Entretanto, ademais de ser uma prática defendida por educadores críticos do país, o fato de seu uso e de suas estratégias terem sido inicialmente operacionalizados nos anos 1990 por meio de políticas do Banco Mundial contribuiu para ser circunscrito não apenas no âmbito dos sentidos mais radicais da palavra, mas também do ideário neoliberal. Por isso, a necessidade de continuamente serem qualificados e contextualizados os conceitos para definição de qual chão é o ponto de partida da ação.

Como essa reflexão não está isolada de o contexto político em que o referido conceito se massificou no país torna-se importante não apenas compreender o que respalda ideologicamente as políticas, as vantagens de sua materialização, como também conhecer mais profundamente a própria legislação que define a adoção dessas práticas mais participativas.

A última década do século passado foi aquela em que a descentralização continuou sendo um modelo operacional da reforma do Estado, sem foco nas transformações locais radicais, mas que materializou o modelo com a transferência de responsabilidades de um conjunto de políticas públicas fundamentadas justamente no ideário neoliberal. Dessa forma, ficou mesclado uma prática que poderia ser democrática com o oportunismo de políticas inspiradas no pacote de proposições do Banco Mundial, então vigente, e em implementação em toda América Latina, enfraquecendo e contaminando o conceito.

A “reordenação” da gestão educacional tem sido reduzida às suas dimensões político-culturais e administrativas. Desconsiderando-se a determinação do econômico na configuração do político e do cultural, ignora-se que a “reconstituição do poder” não se viabiliza apenas nestas duas dimensões, entre outras razões, porque a participação dos indivíduos tem sua natureza e limites forjados pelas condições econômicas destes. A pretendida reconstituição de espaços comunitários, mediante o incremento da participação, parece esgotar-se na simples criação de mecanismos e instrumentos que, embora se proponham a contribuir na reeducação dos indivíduos e grupos, se voltam para o atendimento prioritário de requerimentos e interesses imediatos do capitalismo contemporâneo, que seguem impondo constrangimentos ao Estado. (Freitas, 1998)

E é partindo dessas constatações, que ressalto a importância de ser pensada a gestão democrática para além desses procedimentos e critérios de definição. Por exemplo, a partir de um quadro de profissionais qualificados, numa relação horizontal, os projetos educativos ou propostas político pedagógicas podem ser elaborados e materializados em cada escola ou conjunto de escolas situadas em determinados territórios, passando a serem espaços de preparação para a democracia e para a construção de conhecimentos que possam ser aplicados também no entorno das escolas dando sentido não apenas ao espaço educacional, mas esse implantado com um projeto educativo capaz de fazer um lugar se desenvolver com o conhecimento que se espraia dele, numa gestão capaz de dar conta de tamanho desafio. Essa tarefa requer do sujeito – cidadão/profissional que trabalha como gestor amplos conhecimentos, envolvimento com o órgão ou espaço/instituição público, autonomia política, intelectual e criativa.

De minha ótica, o uso do conceito gestão é compreendido como de uma ação que abrange garantias, práticas e valores correspondentes ao processo de universalização do ensino, de construção de qualidade para todos e cada um, mas também pela incorporação de conteúdos relacionados com a garantia de processos inclusivos e de defesa do ambiente saudável e sustentável para todos; desenvolvimento do potencial criativo, de autonomia intelectual e de participação cidadã. O gestor (ou gestores – em ações compartilhadas) passa a ter a necessidade de conhecer, para além dos processos metodológicos e do conhecimento curricular, um arcabouço legal constituído por leis, decretos, portarias que precisam ser considerados no dia a dia de sua prática administrativa, mas também a realidade que circunda a escola. Podem ser citadas como respaldo jurídico de direitos à educação, sob a responsabilidade dos gestores, tanto de sistemas educacionais como de unidades de educação, as seguintes preconizações:

É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente a Educação Infantil (EI) – com o atendimento em creches e pré-escolas (zero a seis anos de idade), o Ensino Fundamental (EF), o Ensino Médio (EM), o atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, o acesso aos níveis mais elevados de ensino e pesquisa, a oferta de ensino noturno regular, além do acesso aos esportes, à produção e fruição artística e assistência integral aos estudantes. (ECA/1990, Art. 53, Art. 54; LDBEN/96)

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (EI/2003, Art. 3º)

A Educação Especial é modalidade da educação escolar e como parte da educação geral deve garantir o “atendimento educacional especializado gratuito aos estudantes com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino” e dessa forma, os atendidos, por fazerem parte do sistema educacional, devem possuir os mesmos direitos já atribuídos a todos os outros. (LDBEN/96)

Devem ser asseguradas às comunidades indígenas sua organização social, seus costumes, suas línguas, crenças e tradições, sendo o Estado responsável pela proteção de suas manifestações populares. (CF/1988, Art. 231)

Deve ser garantida também aos povos indígenas a utilização de suas línguas maternas, bem como os processos próprios de sua aprendizagem. (CF/1988).

Devem ser fortalecidos nas escolas de toda a cidade os saberes sobre o universo histórico e cultural das comunidades indígenas e tradicionais integrando-os ao currículo escolar. (ECA/1990, Art. 58).

A história e a cultura de povos que também construíram e constroem a história do Brasil e que foram sempre colocadas à margem dos conteúdos escolares será socializada e estudada, tendo a sua inclusão nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das Unidades Escolares (UE) da Educação Básica (EB) garantindo dessa maneira a disseminação de conteúdos mais amplos sobre os povos africanos, afro-brasileiros, latino-americanos e indígenas, conforme o que está previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais revisadas no ano de 2009 e nas demais legislações especificas. (Lei 10.639/ 2003; Lei 11.645/2008).

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações. Para efetivar esse direito, o Poder Público deverá promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. (CF/1988, Art. 225, inciso VI). ( 2011[1])

[1] Sistematização de texto elaborado por CABRAL, MRC sobre o processo de construção do Plano de Educação da Cidade de São Paulo. Ação Educativa, 2011.

Quer saber mais sobre esse conteúdo? Texto completo está na minha tese em arquivo digital na Biblioteca da USP: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-18122014-104549/pt-br.php

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