Durante os últimos anos pude me aprofundar mais sobre a realidade da educação maranhense, que de alguma forma acompanho desde o ano 1986 quando iniciei minhas atividades na área, sempre buscando alcançar razões dos problemas e soluções para avanços. Foram muitos os trabalhos realizados nesse sentido, as organizações por onde andei e trabalhei.
Neste texto farei algumas breves reflexões sobre o histórico abandono da educação dos maranhenses encoberto em alguns momentos por alguns mitos e evidenciado em outros por algumas atitudes contraditórias com o que era oportunidade gerada pela conjuntura nacional combinada com a necessidade da maioria da população.
Início com um relato sobre como avalio as razões de o Governo Estadual não ter valorizado uma experiência tão potente no Maranhão como a dos CEMP – Centro de Ensino Médio e Educação Profissional, implantados na Baixada Maranhense por seis municípios. Não pela forma em si como foi implantada, pois sem os municípios deterem os recursos suficientes e que por lei existiam para cada aluno matriculado em uma escola pública o ideal ficava mais difícil de ser alcançado, mas pela forma como foi estruturado o CEMP, sua matriz conceitual, sua inserção na realidade local e a cidade compreendida como laboratório para todos os cursos.
Foram muitas as reuniões e tentativas de diálogo com a SEDUC nos últimos oito anos de governo, sem êxito. Houve uma reunião do Portal da Educação da Baixada[1] com a SEDUC, em 2008, quando o Secretário de Educação manifestou desinteresse pela estrutura do CEMP.
De fato, uma das dificuldades de se realizar parcerias com o Governo do Estado através de sua secretaria de estado da educação foi, durante todos os governos da Oligarquia Sarney, a compreensão formal que têm de que o ensino médio deve ser ofertado exclusivamente pelo ente federativo estado, por um lado, e por outro, a compreensão restrita de formação profissional como oferta de vagas apenas para atender a necessidades de mercado. Se existem demandas, se oferta cursos, se não existe, não há essa necessidade. Grande equívoco! Ou melhor, essa é uma visão de mundo.
Nessa mesma reunião de 2008, os secretários do Portal da Educação conversaram sobre o CEMP com o Secretário de Estado da Educação da época, Prof. Lourenço José Tavares Vieira da Silva, que além de Professor da UEMA é Engenheiro Agrônomo tendo assumido desde os anos 1970 – durante o regime militar – diversos postos na área da agronomia do estado, e esteve como titular da Secretaria de Estado da Educação no período de 2006 a 2009. Ele defendeu, literalmente, que os cursos de agroecologia na Baixada Maranhense ofertados pelos CEMP não tinham porque continuar sendo oferecidos porque não havia mercado para tantos técnicos. (Portal da Educação, 2008).
Todos sabemos da realidade da Baixada Maranhense, como de outras regiões do estado, que apontam necessidades premente de desenvolvimento de cadeias produtivas como, por exemplo, a da agricultura familiar como condição importante de desenvolvimento econômico e social das pessoas que vivem no campo e em comunidades quilombolas. O que, então, justificaria essa atitude de um Secretário de Educação, que, como Engenheiro Agrônomo deveria ser conhecedor da necessidade de formação profissional para o desenvolvimento do território maranhense, conhecido por ser predominantemente rural, com baixa produção de alimentos e falta de técnicos em agricultura, pecuária e pesca, sobretudo para assistência a médios e pequenos produtores? Por que então esse Secretário não defendia a continuidade dos cursos de agroecologia dos CEMP?
Do meu ponto de vista, o que poderia justificar seria o descaso, a ideologia, ou a ignorância em relação à realidade, de fato invisível para si, ou seja, mesmo sendo da área, o seu olhar voltava-se para apenas um dos mundos onde esses habitantes vivem, do agronegócio; o mundo em que os agricultores familiares, os quilombolas, as quebradeiras de coco, etc. não tem concretude, aonde apenas são vistos os “novos bandeirantes” que nas fazendas de gado ou na monocultura da soja demandam os técnicos dos Institutos Federais e mão de obra pouco qualificada para o trabalho mais braçal, além de terem disponibilizadas pesquisas das Universidades, dos Institutos Federais e da EMBRAPA, quase sempre subsidiadas ou pelo próprio Governo Federal ou pelas empresas de insumos e implementos agrícolas que necessitam divulgar suas tecnologias e produtos deste a ponta de lançamento que são os profissionais que chegam no agronegócio para a assistência técnica.
É provável que outras explicações do campo mais político e ideológico se fundamentem na concepção que permeou a forma de pensar da oligarquia Sarney que, por sua vez, orientou durante todos seus mandatos a atuação daqueles que nela se abrigaram e assumiram funções públicas.
Quando Sarney foi eleito governador fazia oposição à oligarquia existente naquela época, de Vitorino Freire. Ele venceu Costa Rodrigues, o candidato do vitorinismo e Renato Archer, da coligação PTB/PSD. Na época, Sarney se apresentava como o “novo”, viajava todo o estado discutindo projetos para superar os problemas que 50 anos depois de sua vitória continuaram. Chegou a convidar Glauber Rocha (quando jovem) para fazer um documentário sobre a realidade maranhense de então, que resultou na obra “Maranhão 66”. Evidentemente, o que marcou a memória das pessoas nas cinco décadas é similar ao que ficou estagnado para efeito de marketing na memória dessa oligarquia desde então, ou seja, como na época em que assumiu o governo em 1966 a situação era extremamente precária, o que conseguiu realizar, mesmo que insuficiente foi de uma relevância e visibilidade grande para quem vivia na época e que, por muito tempo, defendeu o grupo derrotado nas últimas eleições.
Durante os mandatos dessa Oligarquia, a visão de desenvolvimento que referenciou a oferta de educação esteve na contramão do que o estado sempre necessitou, assim como ocorria desde antes da República, mas este conteúdo não está sendo tratado neste momento. O Maranhão, já poderia ter recebido grandes investimentos pelas suas potencialidades e localização estratégica. Mas, não houve nesses quarenta e oito anos investimentos necessários para o desenvolvimento estruturante do estado e de sua população.
Ad mirando o Maranhão é possível compreender como o mesmo reproduziu secularmente, em alta escala, a elevadíssima concentração de renda, de poder e de conhecimento distanciando os polos e, ao mesmo tempo, criando ilhas em ilhas. Como é possível pensar um estado como esse, tendo dentro de si uma “Atenas Brasileira”, numa realidade em que mais de 90% da população permaneceu até há duas décadas, não escolarizada ou com baixa escolarização? Evidentemente, os maranhenses falam bem, havia e ainda há grandes escritores, mas estes não representavam o Maranhão da maioria, mas um dos mundos dentro dele. Dados revelam que foi nesse pequeno mundo, constituído também por essa Atenas, que viveu e para o qual governou os Sarney e seus aliados.
A grande maioria da população maranhense, cuja imagem real ficou parada no tempo da gravação do filme “Maranhão 66” de Glauber Rocha, só ficou visível enquanto eleitora, para quase nada mais. Por isso, torna-se tão importante no novo mandato que se inicia olhar com outras lupas o mundo real, da maioria, e isso requer repensar nesse mesmo sistema em que se vive um tipo de formação que formata a educação para emancipação dos maranhenses como povo, totalidade.
Ao se iniciar um novo governo é importante focar essa totalidade do Maranhão já produtivo e potencialmente produtivo. O estado necessita urgentemente de formação profissional e produção de conhecimento para o universo do trabalho, tanto no que se refere ao atendimento das demandas de mercado quanto das necessidades de desenvolvimento em territórios pobres, para superar o vazio dos governos que ficaram para trás e que abdicaram de seu papel de executor da política educacional também na modalidade de educação profissional.
Os dois últimos mandatos de Roseana Sarney não adotaram a política federal que estimulou o ensino médio integrado em todos os entes federativos, mesmo havendo recursos disponibilizados pela União para complementar o financiamento do Ensino Médio. Também não dialogaram não dialogaram com municípios para oferta, em parceria, de cursos como os dos CEMP e da EJA Profissionalizante, entre tantas outras possibilidades existentes e a se construir.
Do meu ponto de vista, tanto o ensino médio / profissionalizante como a educação infantil, são duas etapas da educação básica, cujos conteúdos precisam ser contextualizados mais com a cidade do que com o estado ou a união. Por isso, esse diálogo entre os entes para a maior e melhor oferta possível de toda educação básica é tão fundamental.
Nossa torcida é para que o cenário se modifique para melhor, numa velocidade considerável, afim de que os maranhenses tenham conquistas consistentes na atual conjuntura estadual.
[1] Articulação de Secretários de Educação da Baixada.