Inicio resgatando indagações de um pensador francês, Schaller (2007): “Como desenvolver a participação, o envolvimento recíproco entre os indivíduos e os grupos, a fim de se construir modalidades coletivas de práticas e de tomada de decisão? Como co-produzir?” E adaptaria uma de suas perguntas: Como pode uma Rede ser um espaço aberto e dinâmico onde pessoas ampliam seu processo de formação, ou, como ele diz, um “lugar aprendente” ? Como uma Rede dinamiza a ação coletiva enquanto expressão de identidade cultural e de solidariedade? Para ele, falando sobre lugares aprendentes, mas que podemos pensar Redes de Aprendizagem, “a noção de lugar remete à relação que o indivíduo tem consigo próprio e com os outros: o lugar está homologado e constituído pela pessoa em si e pelo outro….” (SCHALLER, 2007)
Uma Rede, quaisquer que seja, configura-se como uma concatenação de muitas pessoas e ou organizações, por isso mesmo muitas diversidades… pois a diversidade faz parte do mundo e o pensamento diverso constrói a prática democrática, que nos remete a horizontalidade ou ao círculo e não ao pensamento único vertical, a não ser que seja de origem verticalizada, mas ela não seria interligada entre os polos.
Em uma prática democrática, as organizações e ou pessoas ao mesmo tempo compoem e constroem continuamente a rede aprendendo e tecendo o conjunto de ações e relações. “Cada elo da rede… pode se tornar um evento, uma bifurcação, estar na origem de uma nova circulação de fluídos que traduzem a ação coletiva“. (SCHALLER, 2007)
Isso nos remete ao próprio pensamento sistematizado sobre Redes. Para Capra, por exemplo, partindo do conceito da Biologia, “Redes vivas são autogenerativas. Elas criam-se e recriam-se continuamente, transformando-se ou substituindo seus componentes,..elas passam por mudanças estruturais contínuas enquanto preservam seu padrão de organização similar a redes“. (CAPRA, 2008, p.20)
O Instituto Formação sempre trabalhou com a ideia de Redes fortalecendo elos, a diversidade de pensamento, a potencialização de aprendizagens e a aplicação das mesmas de modo que o conhecimento aprendido e apreendido se espraie pelos lugares onde estão outros aprendentes, fortalecendo as organizações, multiplicando-se as comunidades educativas e criando-se novas redes.
As redes de pessoas e organizações vivas da sociedades são redes sociais, culturais, educativas e muito mais atuantes no campo simbólico, da comunicação, mas também da dominação e ou da “libertação”. “São antes de tudo redes de comunicação que envolvem linguagem simbólica, restrições culturais, relações de poder…Assim como redes biológicas, elas são autodegenerativas, mas o que geram é imaterial. Cada comunicação cria pensamentos e significados, os quais dão origem a outras comunicações, e assim toda a rede se regenera“..(CAPRA,2008, p.22;23)
DESAFIO PERMANENTE
Trabalho com e em redes desde 1986 quando ainda universitária ingressei em minhas atividades ao mesmo tempo na área da educação e na sociedade civil. Desde então, não passei um único ano sem estar envolvida em práticas realizadas em redes e, em muitos momentos, cordenando processos. Por isso, desde esse lugar eu sei o quanto é difícil tecer as redes, porque é difícil exercermos práticas radicais de democracia e, por vezes, podemos correr o risco de termos uma prática mais verticalizada.
Citaria para ilustrar tres riscos que se pode correr, podendo os mesmos estarem isolados ou articulados:
1) A comunicação numa Rede pode ser Simétrica ou Assimétrica. Na Simetria há a necessidade de estruturas iguais, um pensamento único doutrinar outros pensamentos. A ideia sai de uma única cabeça e alcança as demais, sem nenhum tipo de reação.
2) Que todo o poder dessas redes, que estão sim articuladas em torno do político e da política (nao partidária, mas de exercício de cidadania), tenha forte tendência de concentração de poderes em pessoas que se perpetuam nessa ação reproduzindo práticas colonialistas de hegemonia e de manutenção do status quo de grupo único.
3) Que a Rede se torne um clube de amigos, corporativo e mantenedor do status quo.
4) Que a rede tenha um fundamentalismo similar ao de igreja, com suas lideranças realizando permanentemente a doutrinação de seus membros numa comunicação em que pessoas que pensam diferentes não concordem, mas também se calam.
MAS…HÁ MUITO MAIS DO QUE RISCOS, HÁ POTÊNCIA
A comunicação numa prática democrática é assimétrica, nao ocorre a saida vertical de um para outros que sao vazios e aceita a mensagem passivamente…mas há a interação. Para que aconteça a comunicação é necessário que haja a diferença.
Há redes de aprendentes na contramão da perspectiva de concentração de poder, ou de transformação da rede em um simples grupo de amigos…. Schaller nos lembra (sobre lugares de aprendentes e podemos fazer a analogia para redes de aprendentes, pois a rede é um lugar, ou elos de lugares que se entrelaçam…) que
A noção de « lugares aprendentes » remete à capacidade de ação coletiva dos atores e ao processo de historização que lhes submetem as práticas, as experiências e as ações de transformação deles próprios. Neste sentido, todo lugar é de aprendizagem e esta constante obriga a uma mudança de perspectiva da parte dos atores responsáveis por intervir junto à população. (SCHALLER, 2007)
Segundo Schaller, é necessário aprofundarmos a tensão existente entre verticalidade e horizontalidade. Ele trabalha com a idéia de participação meio e de participação processo. A primeira, útil na mobilização de recursos, na busca de resultados, bem própria de muitas redes; a segunda,
Aspira a reforçar o envolvimento dos cidadãos para que eles adquiram e exerçam um potencial crítico. A participação aqui é um processo para criar o debate, a confrontação, e se inscreve sob a perspectiva de uma busca de um mundo em comum (SCHALLER, 2007).
A prática do diálogo e das relações horizontais é bastante desafiadora para todos nas diversas Redes que vivenciam aprendizagens de diferentes formas, conteúdos e lugares. Um lider de uma organização que está na direção de uma rede, por exemplo, que vem de uma tradição política muito negativa, sentar-se com outro lider, às vezes de um grupo com pensamento oposto para dialogar sobre idéias comuns para fortalecimento das organizações é desafiador e, muito mais ainda, quando senta para dialogar com outras pessoas sobre idéias que envolvem estes, desde sua concepção até a operacionalização.
Nenhuma Rede democrática se constroi sem confiança entre quem é membro e quem faz a gestão e abundância de conteúdos diversos que dá estofo para circulação e potencialização de novas aprendizagens.
Aqui volto a retomar os questionamentos: Como construir objetivos que não sejam somente os de restabelecer a confiança nas instituições – reencontro da legitimidade da autoridade competente -, desenvolver os direitos dos cidadãos e gerar compensações, mas objetivos que também facilitem a transformação, restabelecendo a auto-confiança, a auto-estima e desenvolvendo o poder das pessoas e das organizações; objetivos que levem as pessoas a se responsabilizarem coletivamente ?
A troca da decisão pelo procedimento e a regra administrativa estão no centro de uma desconfiança generalizada. Desconfiança dos administradores sobre as pessoas; desconfianças das pessoas sobre os aparelhos do Estado. Este sentimento elimina toda a possibilidade de aproximação entre o poder (político, científico e técnico) e os habitantes. (SCHALLER, 2007)
A mesma coisa pode acontecer numa comunidade, no lugar onde vivemos, nos nossos lugares de aprendizagem. Isso significa que esses lugares aprendentes ou essa comunidade educativa vai passar novamente por uma ampliação, ela não é mais uma comunidade educativa que tem limite dentro dos muros de uma instituição. Ela extrapola esses muros, expande-se pela cidade, suas ruas, quintais, praças, clubes, quadras, quitandas, telecentros, bibliotecas. Deve ser uma ação em lugares mais inusitados. Pode-se dizer, por exemplo, que os 13 telecentros implantados na Baixada Maranhense, com 107 pontos de internet espalhados por 9 municípios são lugares globais de aprendentes conectando jovens com o mundo numa Rede de Comunicadores. O símbolo escolhido pelos jovens e que estampam os banners dos telecentros é de um caranguejo nos manguezais do Cujupe[1] segurando um fio de conexão da internet tendo no horizonte símbolos da cultura e arquitetura mundial como a Torre Eiffel.
Unidades e Redes que nós construimos desde as diversidades presentes. É porque existe essa diversidade de costumes, de pensamento, de organizações, de pessoas, que podemos pensar redes, comunidades educativas ou lugares de aprendizagem e de aprendentes, em que todos, com suas diversidades, suas singularidades poderão integrar-se, construindo algumas unidades. Mas, o que seria esse fio capaz de tecer entre nós todos, um lugar de aprendizagem ou uma comunidade educativa?
“Provavelmente um compromisso ético com o processo de emancipação humana, que leva a todos e a cada um auscultar a voz do outro e a sua própria, as vozes de jovens que estiveram caladas” (ROSAR, 2004).
Uma rede que confia em seus gestores e gestores que confiam no processo democrático da Rede, a tornará sempre forte e uma experiencia sempre inédita e que todos desejarão pariticipar e apoiar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CABRAL, Maria Regina Martins Cabral. JOVENS APRENDENTES EM REDES na Baixada Maranhense. São Paulo. USP. Trabalho apresentado no Doutorado. 2009.
CAPRA, Fritjof. Vivendo Redes.
ROSAR, Maria de Fatima Felix & CABRAL, Maria Regina Martins Cabral (org.). Projeto Jovem Cidadão. São Luis: Editora Central dos Livros, 2005.
SCHALLER, Jean-Jacques. As Políticas de Promoção da Saúde e a Questão dos Lugares de Aprendentes in Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 9, n. 3 p. 5-6 Nov. 2008 /Fev. 2009 (arquivo digital)
SCHALLER, J J – Lugares aprendentes e inteligência coletiva: rumo à constituição de um mundo comum. In Passeggi, Maria da Conceição e, Souza, Elizeu Clementino de (Org). (Auto)biografia: formação, territórios e saberes. Natal: UFRN/Paulus, 2008 (arquivo digital)
[1] Lugar portuário de Alcântara, onde o ferry boat que sai de São Luis para a Baixada atraca.