- Reflexões iniciais
Nos idos dos anos 1990 fui pela Rede Brasil de Alfabetização para um intercâmbio de um mês em São Paulo, para vivenciar o dia a dia de três unidades educacionais: a Escola da Vila, a Escola Cooperativa Cidade de São Paulo e a Creche da USP. Ao mesmo tempo, pela Rede de Apoio a Alfabetização de Adultos (RAAAB), que durante cinco anos coordenei, ia mergulhando no pensamento de Paulo Freire e em sua aplicação em diversificados projetos espalhados pelo país.
Foram momentos de imersão na teoria e experimentação com muitos grupos de professores de crianças e adultos, em várias cidades brasileiras. Tive a boa oportunidade de observar, dialogar e sistematizar com e a partir de diferentes mentes, olhos, mãos e corações que fazem a educação nacional.
Desde então, pensar a aprendizagem a partir do acesso à riqueza potencial existente na zona de desenvolvimento proximal dos estudantes tem sido um de meus objetivos, bem como pensar situações de aprendizagem que levam estudantes de todas as idades a aprenderem a aprender no âmbito de seus universos circundantes cada vez mais enriquecidos pelas possibilidades. Afinal, não importa onde as pessoas nasçam, quais sejam suas cores, quanto dinheiro elas tenham no bolso. Existindo possibilidades, se desenvolvem ao máximo que desejarem.
Nesse ideário, a Pedagogia de Projetos é uma das metodologias de trabalho educacional que tenho adotado, sobretudo estimulando a construção de conhecimentos em torno de objetivos e metas coletivamente definidos entre alunos e professores.
Nessa forma de organizar o conteúdo estimula-se a busca do conhecimento. O Professor não é mais o único que define o que ensinar. Os estudantes também podem propor sobre o que desejam aprender e em que lugares podem buscar esse conteúdo a ser apreendido.
O momento em que experimentei mais fortemente essas ideias eram os anos 1990 e início dos anos 2000. Contudo, a velocidade com que o mundo avança é inimaginável. Como está hoje a produção de conhecimento é bem diferente de há poucos anos. O aluno na sociedade do conhecimento não tem que ir pesquisar apenas em uma biblioteca estática. Ele anda com bibliotecas móveis dentro do bolso, podendo acessar muitos acervos, apenas clicando um endereço no Google, por exemplo.
Essa nova realidade tem desafiado o professor a repensar a sua prática pedagógica. Ele precisa se atualizar em uma velocidade muito maior que a anterior, para não ficar “obsoleto”, dado o fato de que os alunos quanto mais jovens mais dominam as ferramentas tecnológicas e das redes sociais. Ele precisa ainda mais que antes ser um investigador de diversificados conhecimentos, mediador dessa busca, sem perder de vista o perfil de profissional crítico e reflexivo que para sempre será importante em uma sociedade do conhecimento humana, e, por isso mesmo, humanizada.
Neste processo de avanços contínuos o professor precisa dominar processos, ser um profissional cuja autonomia intelectual e de usos de ferramentas e de tecnologias lhe garanta a tranquilidade de interconectar-se com múltiplas possibilidades, tendências, visões e abordagens.
A perspectiva do “aprender a aprender” nos leva assim a buscar conhecimento metodológico que favoreça a busca de informações, os caminhos dessa busca, bem como metodologias que permitam aos alunos também de forma autônoma buscarem e analisarem conteúdos.
Hoje, mais importante que o aluno aprender os conteúdos específicos de cada ano de sua trajetória escolar, é o aluno dominar a base alfabética, a leitura, a escrita, a interpretação textual e as ferramentas de busca de informação em diferentes tipos de acervos.
Para Professora Maria Aparecida Behrens (1996), a Educação (em todos os níveis/etapas e modalidades) perdeu o caráter de terminalidade. O sucesso está interligado com a capacidade contínua de se fazer buscas, pesquisas, novas sínteses, novos arranjos.
Dessa forma, o professor não pode ficar refém do modelo tradicional, ele precisa se adaptar aos novos momentos da educação nesta sociedade do conhecimento que avança rapidamente, sem perder, contudo, a capacidade de (para si e com os alunos) refletir, analisar, identificar tendências, ideologias e aplicações por trás de cada texto encontrado em suas buscas onlines.
Paulo Freire defendia que o conhecimento precisa ser problematizado e contextualizado. Aliás, a problematização é um dos mais importantes conceitos desenvolvido por esse grande educador brasileiro. Para ele, é fundamental que o conhecimento tenha aplicabilidade e relação com a vida dos alunos.
Com essa perspectiva trabalhada até o momento neste texto, pode-se dizer que a forma de organizar os estudos em sala de aula através da Pedagogia de Projetos sinaliza um bom caminho.
- Primeiras Ideias
A discussão sobre projetos é antiga. Muitos são os autores que tem tratado sobre essa forma metodológica de organizar e trabalhar conteúdos em salas de aula.
A Escola Nova, nos anos 1920, é considerada a origem da pedagogia com projetos, estimulando o envolvimento mais ativo dos alunos em seus processos de aprendizagem. Contudo, houve outros teóricos, pensadores, que foram os precursores.
– Para o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), a criança deveria correr, se divertir, cair muitas vezes por dia e se levantar durante sua aprendizagem. Quanto mais ela experimentava, mais aprendia.
– O suiço Johann Heinrichi Pestalozzi (1746-1827) defendia que a educação deveria voltar-se para o desenvolvimento interno, para a formação espontânea das pessoas, embora necessitada de uma direção de outra pessoa.
– A essência da pedagogia do alemão Friedrich Fröebel (1782-1852) se centra nos princípios educacionais da atividade e da liberdade.
– Segundo o belga Jean Ovide Decroly (1871-1932) existem seis centros de interesse: 1. a criança e a família; 2. a criança e a escola; 3. a criança e o mundo animal; 4. a criança e o mundo vegetal; 5. a criança e o mundo geográfico; 6. a criança e o universo.
– A italiana Maria Montessori (1870-1952) desenvolveu uma abordagem do desenvolvimento infantil entremeado com as condições do ambiente e de como este ambiente poderia favorecer ou atrapalhar o desenvolvimento da criança.
– O americano John Dewey (1859-1952) desenvolveu a ideia da sala de aula como uma comunidade em miniatura.
– William Heard Kilpatrick (1871-1965), também americano e discípulo de Dewey, propôs um trabalho de sala de aula com uso de projetos.
– Da França, Celestin Freinet (1896-1966) foi ideário e protagonista da Pedagogia de Projetos, entendendo que a criança deveria refletir sobre o mundo em que vivia.
– O brasileiro Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997) defendeu que todos podem e devem aprender juntos, na horizontalidade provocada pelo diálogo, sem hierarquias criadas na relação entre professor e aluno e que o saber diferente de um contribui para ampliar o saber do outro.
Muitos professores e pesquisadores passaram a se dedicar a essa forma de se organizar metodologicamente a educação escolar e diferentes nomes foram dados à mesma: pedagogia de projeto, metodologia de projeto, projeto educativo, projeto de trabalho… Do ponto de vista do referencial teórico existem matrizes diferentes, mas o enfoque é sempre o mesmo, ou seja, a aprendizagem com participação ativa dos alunos como foco central.
Em diversos momentos essa metodologia foi criticada, sobretudo quando dependendo da matriz teórica a mesma fora desenvolvida em formatos mais improvisados, sem uma adequada organização didática e de conteúdos.
- A apreensão instrumental da realidade
Estava pensando na frase do suíço Picho Rivière quando comecei a escrever esta parte do texto. Para ele, “aprendizagem é a apreensão instrumental da realidade”. E o que acontece quando essa apreensão instrumental não ocorre? Qual é o saldo que fica do processo de escolarização? Talvez a resposta a essas perguntas antecipadamente poderia gerar conteúdos e metodologias que alavancassem a qualidade da educação nos tempos atuais.
Antes, ler e escrever muitas vezes era uma atividade destinada a um tempo que hoje não mais se tem, pois não é o papel e a caneta nem o livro que estão na frente e nas mãos dos alunos. Mas, o celular e outros meios de acesso e produção de conhecimento. E é sobre isso que também estamos tratando.
Na Pedagogia de Projetos, a atividade do sujeito aprendiz é determinante na construção de seu saber operatório e esse sujeito, que nunca está sozinho ou isolado, age em constante interação com os meios ao seu redor. Dentro da escola, contudo, para que esse tempo da escolarização seja potencializado, o professor precisa acordar para essas possibilidades.
Tenho observado a partir de alguns programas de formação de professores dos quais participo da concepção e planejamento, que o mais importante no trabalho com projetos não é a origem do tema, o conteúdo a ser trabalhado, mas a forma de definição e o tratamento dispensado a ele, pois é preciso saber estimular o trabalho com projetos, desde a opção metodológica até a definição do tema, a fim de que as pesquisas, estudos e produtos sejam interessantes ao grupo envolvido; que não seja a partir de uma definição autoritária e descontextualizada.
Lembro que durante uma visita à Creche da USP acompanhei uma atividade com crianças de 5 anos de um projeto de marcenaria, em que as crianças tinham que desenhar um objeto a ser construído (avião, mesa, carrinho, cadeira, edifício…. ) e depois de colocar o desenho projetado em algum lugar (na parede ou no chão) iam, com a orientação e ajuda do professor, até a sala de material para buscar tudo o que necessitavam para cumprir a sua tarefa que era construir o objeto que projetou. Realizada as três etapas: desenho, organização de material e produção, tinham todas as demais etapas e momentos anteriores e posteriores ao que eu acompanhei mediadas pelo professor. Era incrível o interesse e a capacidade expandida de cada uma daquelas ousadas crianças que desde muito cedo aprendiam a planejar e a executar os seus planejamentos.
Durante a escolarização, é importante perceber a criança como um ser em desenvolvimento, que pode exercitar suas próprias decisões e em suas experiências praticas construir e aprimorar conhecimentos, habilidades e atitudes apreendendo saberes e descobrindo formas de solucionar problemas e dificuldades.
O trabalho educativo na metodologia de projeto favorece essa autonomia do aluno. É importante que nessa metodologia os alunos aprendam com os erros e acertos a:
- buscar sempre novos conhecimentos aplicáveis à vida;
- interpretar e problematizar os conteúdos pesquisados;
- estabelecer relações entre o que pesquisa, descobre, apreende;
- realizar relações e articulações com outros conteúdos;
- fazer perguntas, questões, indagações a partir do já apreendido e do que encontra como novas descobertas;
- respeitar o contraditório;
- construir argumentações consistentes;
- defender seu ponto de vista;
- respeitar outros pontos de vista;
- produzir novas sínteses.
- Etapas de Desenvolvimento do Projeto
I – POR QUE TRABALHAR COM PROJETO?
Todo projeto precisa ter uma intencionalidade, que no caso da escola, da atividade de sala de aula será um objetivo voltado para o desenvolvimento quer seja intelectual, emocional, cognitivo, motor do aluno. Ao começar o ano ou como resultado de algum momento de formação, o professor ou professores dialogam sobre essa possibilidade.
II – INDAGAÇÕES INSPIRADORAS
Em dois momentos:
1º momento: Antecedendo a definição do projeto:
Após definição do trabalho com projetos e em intersecção com o planejamento anual da escola são levantadas ideias sobre os temas e conteúdos que podem ser discutidos em salas de aula. O que poderia ser um projeto interessante para aquele ano, para aquela turma?
2º momento: No início do planejamento do trabalho em sala de aula, algumas indagações inspiradoras.
- Como podemos executar?
- Onde buscar informações?
- Que estratégias adotaremos?
- Que produtos teremos?
- Como será a culminância?
III – DEFINIÇÃO DO TEMA NA SALA DE AULA
Com algumas ideias previamente planejadas o professor define com os alunos o tema do projeto que irá trabalhar naquele semestre, ano….
IV – PROBLEMATIZAÇÃO
Em diferentes momentos se realiza a problematização, o questionamento a partir de conteúdos e metodologias.
- Por que estamos estudando isso?
- Qual a aplicabilidade em nossas vidas?
- Qual é a relação com o nosso contexto?
- Por que essa metodologia?
- Esse texto é confiável? O que tem por trás dessas ideias defendidas pelo autor?
E assim sucessivamente.
V – CONTEXTUALIZAÇÃO E TEMAS TRANSVERSAIS
Após as definições será organizada a contextualização do tema e definida as áreas de conhecimento que serão abrangidas na organização interdisciplinar dos conteúdos.
VI – ELABORAÇÃO FINAL DO PROJETO E DEFINIÇÃO DE ACORDOS
O Projeto final que vem sendo elaborado desde o planejamento inicial do professor é lido e aprovado por todos e se definem os acordos de execução do mesmo.
VII – PESQUISAS (individuais e coletivas)
O projeto começa a ser executado com todas as pesquisas que precisam ser feitas para que os alunos encontrem formas de aprender sobre o tema através de suas buscas individuais e coletivas.
Os instrumentos são definidos e construídos coletivamente com a ajuda do professor e as pesquisas são realizadas pelos alunos. Durante as aulas as dúvidas são tiradas. O professor apenas media o processo.
VIII – SISTEMATIZAÇÕES
São várias as formas de sistematizarem as informações pesquisadas. Mas, sempre parte-se de um texto, que depois pode ser transformado em uma notícia ou notícias de um jornal; em uma narrativa, poesia, entrevista, roteiro de um documentário, uma mostra de fotografia, etc.
Esse processo é demorado. São várias aulas, o professor tem que trabalhar mediando elaborações, revisões, explicações sobre formatos de textos, uso de ferramentas e equipamentos, etc.
IX – APRESENTAÇÃO / CULMINÂNCIA
Cada projeto tem um momento compartilhado com comunidades de apresentação dos resultados das buscas e aprendizados.
X – AVALIAÇÃO CRÍTICA
Da mesma forma que coletivamente houve o planejamento também no grupo haverá a avaliação dos resultados.