Este texto é parte de uma fala que fiz em São Luis em um evento realizado em parceria pelas organizações Instituto Formação, Unicef, Semed/SLS e MEC. Quando estava escrevendo e depois proferindo essa palestra era como se estivesse olhando para cada professor e imaginando o seu estado de espírito, numa ação de empatia, essa palavra que sempre ouço em alguns meios que frequento e que, por muitas vezes, me faz pensar que o sentir a empatia pelo outro é um processo nem sempre simples. Por exemplo, como me colocar no corpo e no pensamento de uma pessoa negra e saber o exato sentimento que lhe domina ao sofrer preconceito… e assim, sucessivamente.
Contudo, em alguns casos, penso que consigo sentir um pouco do que o outro sente e essa é uma situação que tem me ajudado a gritar, da minha forma, porque o sofrimento nosso ou do outro dói na mesma proporção do tamanho de nossa consciência. E quem sente dor costuma gemer, a não ser que seja muito resistente. O meu gemido sai em forma de ação, de posicionamento. E uma das ações que mais me impulsiona é a ação de diálogo com professores, tentando intercambiar conhecimentos de quem vive e de quem já viveu muitas experiências que podem potencializar o ato de educar crianças e adolescentes em nossas escolas. E essa é uma história antiga que me acompanha!
Desde 1986 eu me encontro com professores. E, certamente, são com esses protagonistas, como os que estavam naquele evento, com quem tenho realizado a maioria de meus sonhos, os meus próprios e os de outras pessoas, ou seja, de milhares de crianças, adolescentes, jovens e adultos por todas as etapas e modalidades da educação básica e superior por onde já circulei, em todo território nacional e de forma muito verticalizada no Maranhão. A troca permanente entre eles e eu gera em mim variados sentimentos bons pela oportunidade contínua de aprender e de me tornar uma pessoa melhor. Isso quer dizer que, mesmo a dureza que por vezes é o dia a dia de salas de aulas ou do que ocorre em determinadas conjunturas e quase sempre em estruturas que fomentam a desigualdade, a corrupção e a violência – como é o caso do sistema econômico vigente no mundo, eu procuro não alimentar em mim o ser amargo e pessimista que por vezes nos tornamos dada às circunstâncias e às nossas opções.
Entre os sentimentos que sinto está a gratidão, que procuro entender e estender, pela sua grandeza. Eu sinto gratidão pelos meus professores e grande respeito pelos professores com os quais trabalho. Para mim, professor é uma profissão sagrada. Quando eu era criança, aprendi essa lição. Ouvia os alunos de minha mãe chamá-la de mestra e esses momentos estão gravados na minha memória da mesma forma como ficam gravados nas memórias das crianças as atitudes de carinho e ou de indiferença que cada professor tem para com elas. Até hoje a mãe e a mestra ecoam em mim com a mesma força.
Quando estava à noite de domingo, antes de dormir e antes do evento, pensando este texto eu fiquei a imaginar o grande e importante desafio desse grupo de professores da Rede Municipal, 600 professores, com alguns técnicos incluídos, responsáveis por potencializar o desenvolvimento de quase 90 mil crianças ludovicenses, mais precisamente 90.626 (dados de 2010) crianças de 0 a 5 anos de idade. É claro que esse não é o total de crianças atendidas pela Rede, pois apenas metade desse número de residentes estava na escola em 2010 (45.806) sendo algumas delas atendidas pela rede privada ou em escolas comunitárias. Mas a grande maioria conta exatamente e quase exclusivamente com os professores que estavam naquele evento. E essa é uma razão que por si só nos faz refletir sobre nossa ação, para além das dificuldades que se apresentam em nosso caminho; afinal, podemos dizer que de certa forma as crianças estão em nossas mãos. E quando vemos um mundo tão revirado, tão cheio de medo, poderíamos nos perguntar: o que mais concretamente podemos fazer?
Não me deterei em analisar as condições materiais de nosso trabalho (que não desconheço e nem desmereço, com as quais também me preocupo), mas minha atenção neste momento é pensar em como experimentar mais radicalmente a nossa autonomia intelectual e o nosso compromisso sociopolítico com essa fundamental tarefa de trabalhar com crianças de 0 a 5 anos de idade.
Proponho nos perguntarmos: o que temos capacidade de fazer sem estar de forma permanente dependente das dificuldades que surgem? Quero olhar bem nos olhos de cada professor e compartilhar que a pessoa que está dizendo isso tem pensamento, corpo e alma livres para fazê-lo, sem amarras, e que o faz por acreditar que as ideias materializadas podem impulsionar a realidade para outro lado diferente daquele que estamos acostumados a ficar.
Segundo Frei Beto, “Nosso olhar está impregnado de preconceitos. Uma das miopias que carregamos é considerar a criança um ser ignorante”.
Frei Beto lembra que o educador e cientista Glenn Doman se colocou a pergunta: em que fase da vida aprendemos as coisas mais importantes que sabemos? Falar, andar, movimentar-se, distinguir olfatos, cores, fatores que representam perigo, diferentes sabores, etc? Para Doman, 90% de tudo que é importante para fazer de nós seres humanos aprendemos até os 6 anos, período que considera como “a idade do gênio”.
Eu diria que um de nossos maiores equívocos (e ai insiro toda a sociedade – pessoas e instituições) é não percebermos que na infância construímos bases, alicerces para a vida. A inteligência de nossa cidade, de nosso estado, de nosso país passa muito fortemente pelo investimento sério na educação das crianças de 0 a 6 anos de idade. Eu tenho dito que é essa etapa da educação a única que não recuperamos em nenhum outro momento de nossa vida. Por isso, depois de ter percorrido todas as etapas e modalidades da educação prevista na nossa estrutura educacional, eu tenho estado com uma preocupação grande com a educação infantil. O Brasil que ao longo de sua história não conseguiu ser ágil na garantia de educação para todos, ainda titubeia na universalização da oferta da educação para as crianças. Esse “descuido” brasileiro dificulta avanços em grande escala. E sobre isso vamos conversar em outro texto.