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NO MARANHÃO, EM QUE MUNDO VIVEMOS? COMO SERÁ A EDUCAÇÃO NO ATUAL GOVERNO?

SOBRE EDUCAÇÃO E MÉTODO NA PESQUISA CIENTÍFICA

(Mais um fragmento da conclusão de minha tese)

“Todos nós vivemos entre dois mundos”

Valério Nuñez, Cidade do Panamá

Por Regina Cabral

Enquanto escrevia os capítulos de minha tese ia fazendo as anotações que considerava necessárias para compor minha argumentação final. Ao mesmo tempo, tentava compreender a realidade da educação maranhense, especialmente na Baixada Maranhense, em que também estive envolvida em muitos momentos, mas do qual me afastei por todo o Doutorado.

Por horas me detinha no objeto de pesquisa, não apenas nos momentos de estudo e de elaboração da tese, mas nos diálogos diversos que fui mantendo com lugares e públicos diferentes nesses últimos quatro anos. Sempre com a intenção de comprovar, ou não, as hipóteses com as quais comecei a pesquisa e para cuja constatação final percorri todo o caminho traçado dos estudos e dos levantamentos de dados primários e secundários.

E foi com essa trajetória que cheguei neste ponto do texto, após imersão na realidade maranhense de colonizadores, colonizados, trabalho escravo e análogo à escravidão, de oligarquias palpáveis e povos invisíveis, de abundância e escassez, de capitalismo onde emerge a riqueza e a miséria, como também de mobilização de secretários de educação, de juventude e de movimentos sociais, de projetos estruturantes e territórios se dinamizando, mesmo que lentamente me deparando com uma questão metodológica de fundo que me fez parar um pouco, permanecendo por mais de um mês refletindo, sem conseguir prosseguir com a conclusão. Afinal, fundamentos teóricos do texto mostram a importância de se ir à raiz dos problemas e como ir tão longe com limites intransponíveis, como fazer o estruturante possível na cercadura que se tem modificando parte do vivido no presente mesmo sem ainda alcançar o que a utopia sinaliza e o método indica.

Encontrei-me assim nessa situação provocada exatamente pelo fato de usar um método (materialismo histórico) em que as categorias adotadas não me possibilitam conciliar satisfatoriamente os recortes feitos na totalidade da sociedade capitalista brasileira, isolando-os, em certa medida, do contexto mais geral. Perguntava-me após essa imersão, de que modo construir então um sólido pensamento e uma sólida argumentação que me fizessem demonstrar possibilidades de consolidação de outros modelos de desenvolvimento e de economia mais orgânica, social e solidária dentro dessa mesma sociedade, em um sistema em que a competição que existe no interior de uma estrutura de mercado concebido como livre e global é o ponto mais forte e, de acordo com o próprio método, tudo está interligado, sendo outra proposta possível somente num processo de transformação mais radical de um modelo para outro.

Mesmo estando nesse impasse a conclusão que chegava à medida que ia avançando era de que territórios como o maranhense poderiam se estruturar na contramão do usualmente proposto, olhando para além do horizonte e com conhecimento diverso daquele que subsidia as estruturas educacionais e de oferta de trabalho que tem a categoria mercado como baliza, desde que, ao contrário do óbvio, fosse utilizada a categoria desenvolvimento territorial como organizadora das propostas educacionais e de dinamização territorial.

Apesar de ter esse entendimento não conseguia iniciar o capítulo final porque me deparava com o alicerce construído com a argamassa do pensamento dialético, o mesmo a partir do qual estava buscando desenvolver ideias e respostas que me permitissem compreender a importância da contradição presente em totalidades sociopolíticas e econômicas também para soluções transformadoras nos espaços da contradição e não na totalidade lato sensu. E nesse movimento – de ir e vir – não linearmente, mas em traçados sinuosos cheios de obstáculos, tentava construir também o sólido para não desperdiçar a argamassa do que fora até então produzido, mesclando a matéria prima do método adotado com as potencialidades endógenas do que fora apontado pela pesquisa de campo buscando não cair no extremo de adoção de métodos que não me levariam a lugar algum ou poderiam me empurrar para um ecletismo metodológico esquizofrênico, que empobreceria a argumentação e retiraria a argamassa teórica que alimenta as minhas análises e educa meu olhar. Evidentemente, na busca de respostas estive aberta durante esse processo a novos conhecimentos que me ajudaram na compreensão do objeto da pesquisa e a encontrar respostas às questões iniciais levantadas.

Tive a oportunidade, como ocorre com tantos pesquisadores de, nas situações mais imprevisíveis e inusitadas aprender a ir aos poucos construindo minha argumentação. Quando se tem uma investigação pela frente todo lugar em que se está é campo de pesquisa. A mente não para, os dados jorram numa grande velocidade, novos títulos sobre o tema são lançados quase diariamente e o sumário vai se modificando, aperfeiçoando. A tarefa de filtrar é desafiadora! E nesse turbilhão final, tendo que tomar decisões estava exatamente pensando em como superar o impasse metodológico, ou seja, em como propor dentro de um sistema capitalista regido pelo mercado outro circuito de produção alternativo não balizado, nem tão pouco totalmente isolado por esse mesmo mercado, sem ter que mudar de método, nem de narrativa. Compreendia que desafio maior foi analisar projetos em territórios pobres para desenvolver teses de possibilidades de construção real de outro tipo de desenvolvimento, transformando escassez em realidades mais fecundas, mediante construção de redes e arranjos territoriais.

Durante esse processo produtivo fui convidada para uma reunião no Panamá, em 2013, de um grupo que organizou o Fórum Latino-americano e Caribenho sobre Desenvolvimento Territorial, que aconteceu em Setembro de 2014, também na Cidade do Panamá. Ter ido me ajudou na conclusão do meu trabalho porque detalhes às vezes aparentemente insignificantes, ou mesmo relacionados ao óbvio, ajudam a fechar lacunas abertas pela dúvida ou desconhecimento. Necessitei deixar por uma semana a tarefa de concluir a tese e fui me encontrar com esse grupo de oito pesquisadores dos continentes americanos. Lá, fomos visitar uma comunidade indígena, próxima do Canal do Panamá, às margens do Rio Gamboa, do outro lado do Resort que tem o mesmo nome, que na época da ocupação americana era Campo de Golfe. Todos que ali estavam compartilhou da visita aos moradores indígenas, mas ficaram surpresos com o fato de, ao contarem a história da comunidade, a demarcarem fortemente mesclada com a história da recente ocupação estadunidense, tendo esta como marco e não os tempos mais remotos de sua própria história. Todos os relatos faziam referência à passagem americana pelo país e às ações de treinamento para a guerra do Vietnã, feitas naquelas florestas, em cujas margens o grupo estava caminhando vendo e convivendo, mesmo que por algumas horas seu cotidiano, usufruindo o que era proporcionado com carinho e atenção. No Hotel, durante uma reunião, foram compartilhados sentimentos e opiniões. Foi feita a um dos integrantes, panamenho, uma pergunta sobre por que isso acontecia. Ele respondeu expressando sinceridade e tristeza: “É a nossa realidade! Todos nós vivemos entre dois mundos” (Nuñez, 2013). Naquele momento, num contexto bem distante da Baixada Maranhense, mas com suas similaridades, eu reencontrei o caminho da tese, a partir de uma frase cujo conteúdo já é conhecido, afinal todos vivemos em muitos mundos, mas que fez muito sentido no contexto no meu texto.


A muralha ou a barreira tem suas fendas que nos permitem transitar por esses mundos diversos, um mais invisibilizado e outro muito palpável, para onde todos os olhares mais facilmente se voltam. Thompson não apenas usava as suas fontes, mas estava atento aos aspectos da cultura, sem perder o foco da totalidade. Gramsci mostra a importância do movimento contra hegemônico e dos intelectuais orgânicos construírem suas alternativas. Freire ensina a problematizar toda a realidade que circunda. Pistrak descreve como desenvolveu um projeto educativo para outro mundo. Foi assim que, sem negar o método, mas me apropriando dele com a realidade de hoje, onde pessoas que vivem precisam ampliar sua condição de vida e não estreitá-la na realidade estrutural combinada com as condições estruturais, mesmo que essas ainda se assemelhem às realidades em que viveram esses teóricos na Inglaterra, Itália, Brasil e Rússia. Por isso, não permiti me engessar, de modo a percorrer o caminho que poderia me proporcionar lançar o olhar para o mundo global capitalista que incide na totalidade do contexto social e político-econômico da pesquisa, como também para o mundo invisível dos que estão sem alternativa alguma e permanecem situados e sitiados à margem dessa sociedade capitalista, excludente, também como efeito da mesma.
A partir daí, elaborei a argumentação final mirando a realidade maranhense e tendo na mente as seguintes questões: como entender a complexidade dessa realidade detendo-me apenas em questões relacionadas com conceitos como classe social ou de luta de classes, ou de relações diversas de trabalho sem incluir elementos da cultura e da política na minha reflexão? Ou então, como considerar elementos da cultura ou da política sem refletir e analisar as relações de classe, numa região onde o trabalho escravo esteve presente no passado e continua existindo na sua face moderna? Esforcei-me para enxergar o mais longe que pude ad mirando a realidade na horizontal e na vertical, dialeticamente, indo às raízes como dizia Marx; já vinha realizando essas análises nos capítulos anteriores à luz do arcabouço teórico definido no início do texto, acrescentando em análises como o do mapeamento do perfil da juventude maranhense, referências específicas de pesquisadores que se dedicam a esse conteúdo com outras matrizes filosóficas. Assim sendo, mesmo definida em relação ao método não deixei de dialogar e auscultar outras teorias, independente de tê-las ou não adotado no eixo principal de minhas reflexões.

O empenho na busca de uma compreensão científica adequada não significa que outras buscas e outras formas não sejam científicas ou não sejam adequadas.

Novos paradigmas científicos estão sendo propostos por novas ciências que exigem um olhar poliocular… que vê e não vê o mundo. (Whitaker, 2002, 19,21)

Da mesma forma como continuar refletindo a partir do refletido não considera o essencial do clássico por ter acrescido outras reflexões ao que até então fora produzido. Não é pedagógico ter a pretensão de que conhecimentos, quaisquer que sejam, estejam definitivamente concluídos. Por isso, em relação a esse olhar poliocular de Whitaker, detive-me por algum tempo antes de prosseguir com as conclusões, à reflexão a partir de algumas indagações pertinentes às formas de abordagem metodológica, inspirada na fala de Nuñez, que me permitiu voltar aos mundos presentes no Maranhão (um? dois? mais?) situada no contexto capitalista brasileiro. Isso não quer dizer que não tivesse consciência de que as realidades são dicotômicas, mas a ênfase é no fato se ser admitido para, a partir deles, serem pensadas as alternativas sem que seja esperado o momento ideal de intervenção, ou seja, aquele em que a sociedade se transforma pela mão do homem (coletivamente), através de lutas contínuas.

Para compreender os elementos contidos no quadro desse ente federativo e mais especificamente da Baixada Maranhense, que retrata a pobreza e os índices de atraso evidenciados pelos dados coletados e pela observação empírica, é preciso destacar que existem elementos permanentes de caráter estrutural cuja origem é remota a história da colonização do país e existem elementos conjunturais que também se reproduzem mantendo certo grau de continuidade, mas que tendem, em algum momento, a se modificar.

De fato, o que mais produz perplexidade no Maranhão e especialmente na Baixada Maranhense, quando o mesmo é ad-mirado com a lupa da problematização que Freire apresenta é o gap existente provocado pelo contraste entre a abundância de recursos naturais e a escassez que se reflete nas condições de vida, de alimentação e ainda de educação da população que habita a zona rural e urbana dos municípios. Poderia afirmar que boa parte dessa população parece estar vivendo em séculos passados, mesmo quando a televisão está presente nas salas dos casebres ou do “Minha Casa Minha Vida” como signo da “modernização” que alcançou até os locais mais distantes e isolados, na “periferia” das regiões longínquas do país.

Mas, se por um lado essa perplexidade existe e a análise dialética dos fatos a partir da história, das fontes, das entrevistas e das leituras dos documentos explicam suas razões, por outro, não seria justo omitir que a realidade se modificou em certo grau ao longo dos últimos vinte anos. Primeiro, no que se refere à inclusão de muitas crianças, adolescentes e jovens no universo escolar, via criação do Fundef e depois do Fundeb e, nos últimos doze anos, com as políticas sociais federais que promoveram uma atenuação da situação de miséria absoluta e, em certo grau, possibilitaram mobilidade social e acesso dos mais pobres a moradia, energia e a alguns bens de consumo bem acima do que meramente produziam para subsistência em suas roças e quintais antes dos últimos governos federais. Isso não é pouco, mas é insuficiente, contudo foi a primeira vez que ao andar pelo interior do Brasil (já o faço desde 1988) eu pude perceber a presença um pouco mais contundente do Governo Federal. Mas, em se tratando da realidade maranhense, a ausência da Oligarquia continuou nesse mesmo período. A mesma, somente focou sua lupa para um dos mundos: aquele que escolheu para viver.

Cabe ao novo grupo político que assumiu ampliar seu horizonte, incluir os maranhenses como sujeitos de direito com acesso a políticas estruturadoras de um Maranhão melhor para se viver. E vamos esperar para ver para qual ou quais dos mundos ele administrará. Para onde virará sua lupa. Que educação possibilitará para a libertação do Maranhão. Quem se libertará no final dessa história? Só a história nos revelará.

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