Se o homem não for capaz de organizar a economia mundial de forma a satisfazer as necessidades de uma humanidade que está a morrer de fome e de tudo, que humanidade é esta? Nós, que enchemos a boca com a palavra humanidade, acho que ainda não chegamos a isso, não somos seres humanos.
José Saramago
A escravidão no Maranhão, como nos demais estados brasileiros não foi aceita passivamente por parte de quem sofria as torturas do trabalho forçado. Houve muita resistência, algumas se mesclaram com outras lutas. Na primeira metade do século XIX, logo após a Independência do Brasil, o Maranhão vivenciou um período de muitas rebeliões. Estas eram causadas pelas condições de vida das pessoas mais pobres e daqueles que tinham apenas a própria vida, caso dos escravos e dos escravos fugidos; bem como pela exclusão da classe média dos processos políticos, pelas elites locais.
Essa situação contribuiu, no estado, para o aumento das fugas de escravos das fazendas, ampliando as populações dos quilombos que também se multiplicavam. O termo quilombo que foi utilizado e que significa um lugar onde se instalam pessoas nômades, ou pequenos grupos de viajantes foi adotado no período da escravidão para definir o lugar onde os negros que conseguiam fugir do trabalho escravo se acampavam. Na legislação ultramarina no século XVIII, editada pelo rei de Portugal foi definido como sendo “Toda habitação de negros fugidos que passassem de cinco, em parte desprovida, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”. (Goulart, 2006)
“A população negra rural engendrou formas de apropriação de territórios sob a vigência da repressão escravista. Alguns conseguiram fugir do cativeiro e, em grandes grupos ou pequeno número, formaram os mocambos. Outros conquistaram seus territórios em plena vigência do regime escravista” (Pedrosa, 2001, p.2).
No Brasil, durante o Império, o número de escravos fugidos necessários para constituir uma área de quilombo deixou de ser cinco e passou a ser de três pessoas, mesmo que não formassem ranchos permanentes (Goulart, 2006). Essa iniciativa não era visando corroborar o movimento de luta dos negros contra o escravo, mas para facilitar o combate aos movimentos existentes que iam se formando. A existência de quilombos imprimia tal receio aos brancos, que qualquer ajuntamento de escravos fugidos já era como tal considerado, não importando seu número diminuto (Goulart, 2006).[1] “No contexto do sistema escravocrata, os quilombos se constituíram como espaços da liberdade e comunhão” (Rothenburg, 2010).[2]
Ao contrário do que é comum afirmar, os quilombolas não viviam isolados de outros setores da sociedade da época. Como atualmente não vivem isolados os trabalhadores do Movimento de Trabalhadores Sem Terra (MST). Aqueles se relacionavam permanentemente com os escravos que ainda se encontravam nas propriedades e com outros sujeitos da história. Muitos mocambeiros chegavam a trabalhar para fazendeiros. Era comum que estes últimos acobertassem os mocambeiros, se houvesse uma batida policial. Por meio dessa articulação, os quilombolas obtinham bens materiais e informações sobre a movimentação das tropas policiais e sobre notícias do que ocorria no mundo, inclusive no âmbito de revoluções, como a francesa. E à medida que iam se comunicando, também se fortaleciam, fortalecendo suas lutas.
[1] Direito dos Descendentes de Escravos (remanescentes da Comunidade de Quilombos)- Walter Claudius Rothenburg, in Igualdade, Diferença e Direitos Humanos. Daniel Sarmento, Daniela Ikawa e Flávia Piovesan (coordenadores)-2ª Tiragem-Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010.
[2] Eliane Catarino O’Dwyer in. Manifestação da AGU no processo da ADIN movida pelo DEM contra o Decreto 4887/2003. Sitio eletrônico do Superior Tribunal Federal.
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