Por Regina Cabral (Instituto Formação)
“A concentração de terras em poucas mãos, herança do Brasil colonial, alimentou, e ainda alimenta, muita luta política (….) O latifúndio é parte da história do país, seja como força política no Império e na República Velha ou peça de exploração ideológica principalmente na segunda metade do Século XX” (O Globo, 4 de fevereiro, 2013).
Para o Jornal O Globo é extremamente natural que haja no país a concentração de terras, como para eles é natural que apenas uma minoria detenha o poder político e financeiro.
“O que chama a atenção no Brics é que o Brasil tem pessoas tão pobres quanto as mais pobres do mundo e tão ricas quanto as mais ricas.” (EBC, 4 de fevereiro, 2013)
Esse fragmento acima de notícia publicada na EBC revela na contramão daquilo que o Editorial de O Globo defende, o quanto é surpreendente que essa concentração de terra e de renda ocorra, por ser extremamente absurda. Outros fragmentos de notícia da EBC sobre a diminuição das desigualdades no Brasil dizem que:
“Entre as cinco maiores economias emergentes, o Brasil foi a que mais diminuiu a desigualdade socioeconômica nas últimas duas décadas. A conclusão consta de estudo comparativo, feito no ano passado com base em dados secundários (de organismos multilaterais internacionais como as Nações Unidas e o Banco Mundial) e publicado pelo Observatório das Desigualdades da Universidade de Lisboa (…) Os dados revelam que apesar da melhoria, o Brasil ainda é o segundo maior em desigualdade entre as grandes economias emergentes – só não é pior que a África do Sul que, até meados da década de 1990, vivia sob o apartheid (regime político e econômico de segregação racial).
A diminuição das desigualdades no Brasil está alicerçada nas políticas sociais como Bolsa Família e na geração de emprego e aumento de renda dos trabalhadores, mas isso não implica uma diminuição radical do distanciamento entre aqueles que ganham muito e os que apenas estão saindo da linha da pobreza extrema ou mesmo ingressando na classe média.
E por mais que o Governo se esforce (e esse esforço e as políticas sociais são importantes) não conseguirá transformar essa realidade se não mexer na argamassa que a gera, ou seja, a concentração de terra e de renda no país. Não é apenas um PIB alto em um latifúndio que não gera muito emprego que resolverá essa questão, mas um PIB alto provocado pela soma de produção em pequenas e médias propriedades por muitos trabalhadores.
Quando O Globo diz que o “latifúndio improdutivo” foi extinto”, inclusive questionando o termo improdutivo porque o coloca entre aspas como se não fosse verdadeiro e o era, esquece de dizer que esse latifúndio não gera muito emprego e expulsa o homem que vive na terra para as cidades concentrando gente e problemas em áreas já superpovoadas.
Quando o jornal diz que “a grande empresa agroindustrial não se deu em prejuízo do minifúndio e da agricultura familiar” citando exemplos do sul, esquece que o Brasil é muito maior e essa realidade não está nacionalizada. Vamos imaginar o Maranhão, um estado potencialmente agrícola (no Maranhão tudo é apenas potencial, pois os governantes não o estruturam) em que muitos trabalhadores do campo não tem apoio nenhum e que se for transformado (como está sendo em algumas de suas áreas) em um grande latifúndio (de alguma forma já o é) expulsará (continua expulsando e matando) mais da metade de sua população para áreas onde também não existem agroindústrias, indústrias e emprego, porque são áreas onde os jovens permanecem invisíveis nas plataformas que contém os dados de geração de emprego. Só estão nessas plataformas quem é cadastrado… quais são os jovens da Baixada Maranhense, por exemplo, que se cadastraram..?
Hoje, na Europa, estão agonizantes economias como da Espanha, onde as pessoas que produziam no campo saíram para dar lugar ao agronegócio. 25% de a população ativa estar sem emprego. Entre esses estão também aqueles que produziam no campo e foram convidados a irem para a cidade, dando lugar a empresas com poucos empregados. Muitos desses estão sem renda ou vivendo com o bolsa família da Espanha, sem moradia e alguns vivendo nas ruas. Incluindo os jovens que ainda não ingressaram no mercado de trabalho esse índice se aproxima dos 50%. Essa é a realidade hoje em parte da Europa…
Estive na Espanha por quatro meses. Conheci de perto a realidade do desemprego….Visitei povoados quase desabitados ao lado de grandes áreas do agronegócio. Visitei também propriedades agroecológicas. Mas o que me chamou a atenção foi o debate que cresce da necessidade do retorno do espanhol ao campo e quem sabe de uma nova reforma agrária, como uma das saídas para a crise. Porque é impossível gerar empregos com tanta concentração de terra e de riqueza em sistema financeiro. E sem emprego não há consumo. Sem consumo não há arrecadação de impostos suficientes para garantir a bolsa família para os desempregados.
Por outro lado, os meios de comunicação aqui, na Europa, nos EUA, estão nas mãos de uma elite que hoje deseja manter o agronegócio e o sistema financeiro fortes…. e são eles que diariamente os defende e tentam confundir a população . Cabe aos trabalhadores, aos jovens, aos estudantes, refletirem a partir do que vivem e saberem identificar e compreender entre as palavras escritas e faladas, aquelas que ecoam com sentido de transformação ou de manutenção de uma realidade injusta.
No Brasil, as políticas sociais estão livrando brasileiros da extrema pobreza, mas é geração de empregos no campo (com a distribuição da terra, com a reforma agrária apoiada por políticas estruturantes e com a industrialização na cidade) que se resolverá na raiz essa situação, construindo pá a pá uma outra argamassa para nossa sociedade. Evidentemente, isso não interessa aos donos de O Globo.
É louvável as políticas emergenciais. Mas é fundamental as políticas estruturantes!.
É fato, que temos que resolver problemas nos assentamentos. Mas essa é outra questão, faz parte de outro debate!